O direito de escolha é um direito humano
E esperamos que em 2025 a gente não precise ficar lembrando o óbvio
BOLETIM FUTURO DO CUIDADO #16
Oi! Você está recebendo o Boletim Futuro do Cuidado em formato de newsletter, com uma boa curadoria de notícias, informação confiável e de qualidade e outros conteúdos essenciais sobre Justiça Reprodutiva – especialmente aborto – veiculados nos últimos meses. Esperamos que goste!
Tempo médio de leitura: 15 minutos
No dia 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos, encerraram-se os 21 dias de ativismo pelo fim do racismo e da violência contra a mulher. Queremos começar este boletim lembrando o básico: é um direito humano poder escolher quando, com quem e como gestar e parir. A criminalização do aborto é uma violência contra mulheres, meninas e todas as pessoas com útero, empurrando muitas de nós para a clandestinidade, colocando nossas vidas e saúde em risco e submetendo tantas outras à tortura de uma gestação indesejada. No cenário brasileiro, as pessoas negras e empobrecidas são as mais afetadas por essas realidades.
Chegamos a essa data e ao fim de 2024 enfrentando a perversa realidade de termos que lutar, não apenas para ampliar o acesso a esse direito no Brasil, como para barrar retrocessos. Este foi mais um ano em que, em diversas frentes, o direito ao aborto legal esteve sob ameaça no país.
Como movimento, mostramos nossa força. As tentativas de restringir o direito ao aborto, até mesmo para crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, fizeram crescer a defesa desse direito. Vozes se levantaram, nas redes e nas ruas!. O Brasil mostrou que está de acordo com a bandeira Criança Não É Mãe. Barramos o avanço do PL 1904/24, que tenta impedir o aborto após 22 semanas de gestação mesmo nos casos em que é previsto por lei; conseguimos que a menina de 13 anos de Goiás tivesse seu direito ao aborto legal garantido, depois de muito assédio e tentativas de impedi-la.
E agora, no fim do ano, seguimos mobilizadas diante da aprovação da PEC 164/2012 pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara. Esta proposta visa incluir a proteção à vida desde a concepção na Constituição, o que significa criminalizar o aborto em todos os casos, até mesmo para crianças e adolescentes vítimas de estupro e quando a gestação representa risco à vida da pessoa gestante. Se aprovada em todas as instâncias, essa proposta pode impedir também a fertilização in vitro no país, assim como o uso terapêutico e as pesquisas com células tronco. Não vamos permitir que tal absurdo se torne realidade!
Em 2024 tivemos também que nos mobilizar contra entidades representativas da classe médica. Lá no início do ano, começaram abusos por parte do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP), com a perseguição a médicos/as que atendiam no extinto serviço de aborto legal do Hospital Vila Nova Cachoeirinha e às pacientes atendidas no local. Agora, a mesma perseguição chega ao serviço de aborto legal de Campinas, através de pedido injustificado de prontuários, para investigação.
Esta é uma tentativa ilegal, mas o Cremesp insiste, contrariando decisão do judiciário brasileiro. Uma nova perseguição do mesmo tipo está chegando ao município de Botucatu.
Tivemos que lutar contra a resolução do Conselho Federal de Medicina tentando impedir o aborto acimada de 22 semanas de gestação. E, nas eleições, vimos nossa pauta ser ignorada ou usada como trampolim eleitoral para o conservadorismo. A eleição de Donald Trump nos Estados Unidos também acende um alerta vermelho para nós. Ele renova a política conservadora que impulsionou em seu primeiro mandato, quando deu suporte à derrubada, em 2022, pela Suprema Corte, da “Roe versus Wade”, decisão vigente desde a década de 1970 e que liberava o aborto em todo país. Será preciso ficar atentas diante do poder, sobretudo econômico, mas também desse conservadorismo retrógrado, com seu potencial de afetar a realidade também no Hemisfério Sul.
Entretanto, algum otimismo prevalece: nas eleições estadunidenses de 2024, sete estados votaram propostas que asseguram ou ampliam, de alguma forma, o direito ao aborto.
Entramos em 2025 juntas, atentas e fortes, na luta contra a PEC 164 que, embora tendo recebido diversas reações contrárias, por parte de organizações de peso, ainda pode avançar no Congresso. Seguimos mobilizadas pela manutenção e ampliação dos serviços de aborto legal e para que todas as mulheres e crianças tenham seu direito garantido. Também lembrando ao ministro Luís Roberto Barroso que a ADPF 442, que busca descriminalizar o aborto até 12 semanas de gestação, precisa ser votada. Ministro: a sociedade brasileira está preparada para este debate e queremos comemorar seu voto favorável antes de sua saída da presidência do Supremo Tribunal Federal.
O que mais tem rolado?
No Brasil
28 S em todo o país: as mobilizações do 28 de Setembro, Dia Latino-Americano e Caribenho de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto, foram potentes por todo o país. Em algumas cidades ocorreram atos, em outras, festivais, atrações culturais, rodas de conversa e mais. Foi lindo ver o movimento espalhado por todo o país!
Medicina da família e comunidade: em novembro, Brasília foi sede do “II Congresso Internacional da saúde das mulheres e das mulheres do setor saúde: Justiça Reprodutiva e Atenção Primária à Saúde - uma chamada para a ação!” O encontro reuniu profissionais da atenção primária à saúde, que atuam diretamente no atendimento à população e, portanto, com papel essencial no encaminhamento de pessoas que têm direito ao aborto legal, no cuidado àquelas que estão em processo de abortamento espontâneo ou que fizeram um aborto inseguro e ainda no fornecimento de informações em caso de gestação indesejada. Estivemos por lá, divulgando informações e realizando oficinas para ajudar a combater o estigma no atendimento de saúde, trabalhar a redução de danos no atendimento em casos de aborto e prevenir e combater a violência obstétrica em casos de abortamento.
Quem são as crianças mães no Brasil? A Rede Feminista de Saúde publicou o estudo “Estupro de Vulnerável: Caracterização de Crianças Mães no Brasil em 2022”, mostrando que houve uma queda nas gestações entre meninas de 10 a 14 anos, em comparação com o estudo anterior, que analisou dados de 2010 a 2019. No entanto, as desigualdades regionais e étnicas ainda são preocupantes. A mortalidade materna entre essas meninas é muito alta, e a maioria das que morrem por esta causa são negras e indígenas, das regiões Norte e Nordeste. Para saber mais, veja o estudo.
Saúde Sexual na Maré: foi publicada a pesquisa “Saúde sexual e reprodutiva: o que dizem as mulheres da Maré”, que utilizou a metodologia da Pesquisa Nacional do Aborto no maior conjunto de favelas do Rio de Janeiro, onde vivem cerca de 140 mil pessoas. Conduzida pela Casa das Mulheres da Maré, ela traz informações importantes sobre a saúde sexual da da comunidade, como o dado de que oito em cada dez mulheres que já fizeram aborto na Maré são mães, sabem o que significa a maternidade e consideram que a decisão é um ato de cuidado consigo e com suas famílias. Acesse a pesquisa completa aqui.
Incompatível com a vida: lançado em 2023, o documentário “Incompatível com a Vida”, da diretora brasileira Eliza Capai, aborda os desafios enfrentados por pessoas com gestações de feto sem possibilidade de vida extrauterina. Na maioria desses casos o aborto não é permitido no Brasil, já que a decisão do STF de 2012 apenas autoriza o procedimento para a anencefalia. Após a repercussão do filme, a equipe criou um site que reúne informações para pessoas que recebem diagnóstico de malformação fetal incompatível com a vida, de modo que possam acessar seu direito ao aborto.
Mulheres evangélicas e aborto: o relatório “Narrativas Verdes - Conversando com Mulheres de Fé”, realizado pela Casa Galileia e pelo Instituto Lamparina, busca entender a relação de mulheres evangélicas brasileiras com o tema do aborto e revela que, assim como qualquer outro grupo, elas são diversas. A pesquisa aponta ainda que a maioria é sensível aos valores de autonomia e independência.
Como falar sobre aborto com homens? O silêncio dos homens sobre a pauta do aborto, inclusive os progressistas, é muitas vezes ensurdecedor. O Projeto Brief buscou entender o que pensam os homens brasileiros sobre o tema e por que escolhem se calar. A pesquisa, que ouviu homens de 25 a 44 anos das classes B e C, revela que dentre os principais motivos para o silêncio estão o medo de conflito, a sensação de impotência e a falta de informação. Veja mais aqui.
Nova plataforma da Frente Nacional. Foi divulgada no dia 10/12 a Plataforma Para Autodeterminação Reprodutiva, Direito ao Aborto e Justiça Reprodutiva no Brasil, da Frente Nacional Contra a Criminalização das Mulheres e Pela Legalização do Aborto. O documento apresenta uma leitura de conjuntura nacional e traz os valores e visões da Frente, que tem na autodeterminação reprodutiva, no direito ao aborto e na justiça reprodutiva os marcos centrais de sua agenda.
No Mundo
Ameaças na Argentina: ao ser eleito, o presidente argentino Javier Milei deixou clara sua posição contrária ao aborto. No seu primeiro ano de governo já começou a impor entraves ao direito conquistado no país em 2020. Paralisou a compra de insumos para a realização do procedimento - como os medicamentos Misoprostol e Mifepristona cujo acesso está rareando nas províncias. A Anistia Internacional registrou um aumento de 80% nas denúncias de barreiras para acessar o direito ao aborto legal no país durante o período.
Cultura Aborteira
Aborto em Grey’s Anatomy: a 19ª temporada de Grey's Anatomy, lançada entre 2022 e 2023, aborda como as mudanças nas leis de aborto nos Estados Unidos têm afetado a vida das mulheres. O terceiro episódio, com o título "Let's Talk About Sex" (Vamos Falar Sobre Sexo) e o quinto, "When I Get to the Border" (Quando eu chegar à fronteira), mostram as médicas da série buscando alternativas para garantir cuidado às pacientes. No quinto episódio, as médicas Addison Montgomery (Kate Walsh) e Miranda Bailey (Chandra Wilson) se tornam voluntárias em um centro de planejamento familiar, e Addison faz um discurso apaixonado defendendo abortos seguros e saudáveis. As consequências reverberam até o final da temporada. Disponível nas plataformas de streaming: Disney+, Prime Video, Globoplay.
Ainda Não É Amanhã é o título do filme pernambucano que estreou no Festival do Rio 2024 levando para os cinemas um olhar cheio de empatia em relação ao aborto. Com direção e roteiro de Milena Times, o filme conta a história de uma jovem de periferia que está iniciando a faculdade de Direito e se vê diante de uma gravidez indesejada. Disponível na Mubi.
Expediente:
Comissão Editorial e Edição – Paula Viana (Grupo Curumim); Laura Molinari (Campanha Nem Presa Nem Morta); Nara Menezes (Anis - Instituto de Bioética); Kelly Ribeiro (Portal Catarinas); Leina Peres (Rede Feminista de Saúde); Mariana Prandini Assis (Coletivo Margarida Alves); Karla Oldane (Cepia); Clara Wardi (Cfemea)
Coordenação Editorial - Angela Freitas (NPNM)
Redação - Helena Bertho (NPNM)
Arte - Isabella Alves
Clipping - Isadora Sento-Sé
Se você está recebendo este e-mail é porque já recebia o Boletim Futuro do Cuidado ou porque se inscreveu pelo site da Nem Presa Nem Morta. Caso não queira receber mais as newsletters, clique no botão abaixo para se desinscrever.