Assunto: Precisamos de você AGORA! PL1904 Não
Resumo: Querem equiparar aborto a homicídio!
BOLETIM FUTURO DO CUIDADO #14
Olá, você está recebendo a primeira edição do Boletim Futuro do Cuidado em formato de newsletter. Mais curto e rápido que os anteriores, mas segue trazendo uma boa curadoria de notícias, informação confiável e de qualidade, e outros conteúdos essenciais sobre justiça reprodutiva – especialmente aborto. Esperamos que goste!
Tempo médio de leitura: 12 minutos
Nos últimos meses, aborto tem sido tema recorrente no noticiário e, infelizmente, nem todas as notícias são boas. Ataques ao aborto legal têm partido de vários lugares e instituições e, por mais que pareçam episódios desconectados, na verdade são parte de um mesmo movimento que tenta impedir o pouco acesso que existe ao aborto legal no Brasil, limitar direitos garantidos há décadas e barrar avanços.
O mais recente ataque está em curso NESSE MOMENTO:
O Congresso Nacional vai votar hoje o regime de urgência para o PL 1904, que faria com que o aborto seja considerado homicídio após a 22ª semana de gestação, mesmo nos casos em que é permitido por lei (casos de estupro, risco à vida da pessoa gestante ou anencefalia fetal). E pior, há chances de que o PL seja votado ainda hoje, caso a urgência passe. Esse projeto de lei não pode avançar!
Lembrando que quem busca pelo aborto com idade gestacional acima de 22 semanas são, em geral, crianças e mulheres em situação de vulnerabilidade: que moram em locais com acesso inexistente ou dificultado à saúde; com deficiências cognitivas; adolescentes e jovens; de baixa escolaridade e em vulnerabilidade econômica.
Vamos mostrar para o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e a todos os deputados e deputadas que não aceitaremos restrições aos nossos direitos! Quem precisa abortar por correr risco de vida ou ter sofrido um estupro não pode ser presa. Se você está lendo esse e-mail, junte suas forças a esse movimento. Como?
Tuitaço: vamos encher o X (antigo Twitter) marcando Lira e os demais congressistas. Para ajudar, preparamos um banco de tweets aqui para que todo mundo possa somar.
Nas demais redes: pode postar e falar nas outras redes também! Reverbere o conteúdo de organizações que estão engajadas nesse movimento como: Nem Presa Nem Morta, Anis Bioética, Católicas Pelo Direito de Decidir, CFEMEA, CEPIA, Portal Catarinas e outros. Vale também ir aos perfis dos congressistas e comentar: DEPUTADO, VOCÊ QUER QUE CRIANÇAS SEJAM MÃES?? #PL1904Não
Fique de olho: tudo muda muito rápido no cenário político brasileiro e tem muita desinformação e mentiras circulando por aí. Acompanhe canais confiáveis, como os que já mencionamos acima, para saber o que acontece e de novos chamados a ação!
É essencial estarmos atentes, porque isso é parte de uma ação orquestrada, que vem acontecendo há meses, como explicamos abaixo.
A perseguição ao aborto legal
O voto da ministra Rosa Weber favorável à descriminalização do aborto na ADPF 442, em setembro de 2023, representou uma conquista histórica. Com ele demos um passo importante para ampliar o direito ao aborto no Brasil. Porém, enquanto a ação não caminha, grupos anti-aborto seguem assediando a crianças vítimas de violência que buscam o direito ao aborto legal, e suas famílias, país afora. Casos como esses não são novidade e, recentemente, alguns repercutiram bastante na sociedade (lembram dessa menina do Espírito Santo e dessa menina de Santa Catarina?).
Nos últimos meses, acompanhamos outro caso de Santa Catarina, de uma adolescente vítima de violência sexual que teve o aborto negado na justiça após seu genitor se aliar à Rede Nacional em Defesa da Vida e da Família para impedir o procedimento. Além do caso de Belém do Pará, em que o Conselho Tutelar tentou impedir, na Justiça, o aborto de uma menina de 17 anos, com deficiência, que vinha sendo violentada pelo pai, pelo padrasto e por vizinhos. Cada vez mais, esse movimento vem adotando estratégias de judicialização para impedir a realização do aborto legal em casos de estupro, que independe de autorização judicial segundo a legislação brasileira.
Em paralelo, veio a decisão do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB-SP), encerrando o serviço de aborto legal do Hospital Vila Nova Cachoeirinha, em dezembro de 2023. O serviço era referência e um dos únicos, no Brasil, que faziam a interrupção em casos de gestação com mais de 20 semanas.
O fechamento do serviço foi parar na justiça (e nas manifestações de rua #ReabreCachu!), mas a última decisão válida mantém o serviço do hospital fechado, e ainda argumenta que quem precisar abortar legalmente e não conseguir, deve procurar… a justiça. Como se o fechamento do serviço já não fosse ruim o bastante, a prefeitura ainda obteve acesso aos prontuários (por regra) sigilosos de pacientes que utilizaram o serviço, dando início a uma caça às bruxas contra profissionais de saúde que trabalhavam ali, com a alegação sem fundamento de que teriam sido realizados abortos ilegais.
Já em Goiás, em janeiro de 2024, foi sancionada pelo governador Ronaldo Caiado (União Brasil) uma lei que cria a "Campanha de Conscientização contra o Aborto para as Mulheres no Estado de Goiás" e que determina que o Estado forneça exame à gestante que procura o serviço de aborto legal para que ouça o batimento cardíaco do feto, antes da realização do procedimento. Para contestar a proposta qualificando-a como tortura, o PSOL ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), pedindo que o STF invalide imediatamente a lei, sob o argumento de que ela cria obstáculos ao acesso ao aborto legal. A ADI está sob relatoria do Ministro Fachin e ainda não teve o julgamento iniciado.
No mês seguinte, tivemos algumas horas de alegria quando o Ministério da Saúde publicou uma nota técnica que derrubava a Nota Técnica 44 Nº 44/2022-DAPES/SAPS/MS lançada no governo Bolsonaro, sobre assistência nos casos de aborto - o documento afirmava que todo aborto era crime e colocava limite de 21 semanas e 6 dias de gravidez para a realização do procedimento. O novo documento, lançado na atual gestão do Ministério da Saúde, continha também orientações aos serviços que atendem casos de aborto legal em gestações acima de 20 semanas, em resposta a diversos órgãos e esferas da sociedade que demandavam orientações do Ministério da Saúde. Mal tivemos tempo de comemorar e a Ministra Nísia Trindade suspendeu a nota, dizendo que não havia passado por todas as instâncias antes de sua publicação.
A perseguição ao aborto legal a partir do terceiro trimestre de gestação, que teve como episódios marcantes o fechamento do Hospital Cachoeirinha e a suspensão da Nota Técnica do Ministério da Saúde, atingiu o ápice em abril, quando o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou uma resolução proibindo médicos e médicas de realizarem assistolia fetal, procedimento recomendado pela Organização Mundial da Saúde para a realização do aborto em gestações com mais de 22 semanas. Os fundamentos da resolução também foram usados pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) para suspender o registro profissional de duas médicas que trabalhavam no hospital Vila Nova Cachoeirinha. Mas, em decisão do Ministro Alexandre de Moraes, a resolução foi suspensa liminarmente, bem como as sanções a profissionais de saúde por ela encorajadas.
Integrantes de conselhos tutelares, advogados/as anti-aborto, Prefeitura de São Paulo, Governo de Goiás, parlamentares, conservadores de modo geral… Apesar dessas instâncias não estarem sempre conectadas, a atuação dos grupos que pretendem impedir o direito ao aborto no Brasil - garantido por lei há 80 anos - ou sua ampliação está bastante capilarizada e tem conseguido, em alguns momentos, de fato impedir que mulheres, meninas e pessoas que gestam tenham acesso a esse direito.
ADPF 442: O debate sobre aborto nas redes sociais
Uma pesquisa recente realizada pelo Netlab, laboratório de pesquisa da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com apoio da iniciativa Futuro do Cuidado, analisou o que circulou nas redes sociais sobre aborto na época do voto da ministra Rosa Webber em favor da ADPF 442, que pede a descriminalização do aborto no Brasil, em setembro de 2023, e vejam só: o campo anti-aborto é tão organizado (e endinheirado) que só a Brasil Paralelo investiu quase R$ 700 mil reais em anúncios no segundo semestre de 2023.
Mas calma! O cenário é, sim, desanimador, mas não é hora de desistir da luta. Até porque o movimento feminista nunca parou de se mover - para impedir e reverter retrocessos e para avançar a pauta.
Contra os “abusos de poder”, em defesa do aborto legal
Estamos nas ruas, nas redes e no sistema de justiça pela reabertura do Vila Nova Cachoeirinha, contra a suspensão das médicas pelo Cremesp e contra a Resolução do CFM; ocupamos as ruas no 8 de Março com nossos lenços verdes, seguimos politicamente articuladas e entramos com ações para barrar esses retrocessos, inclusive no STF. Há uma prontidão de denúncia das violações que têm acontecido no Brasil, como o show da Madonna, no Rio de Janeiro, quando fizemos circular uma faixa pelo céu da praia de Copacabana dizendo “Madonna, o aborto legal está sob ataque no Brasil”. No Sistema Internacional de Direitos Humanos, ecoamos as violações do direito ao aborto aqui ocorridas.
Em maio, o País passou por sabatina na 88ª Reunião do Comitê sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW), da ONU, e estivemos presentes, lá em Genebra, após apresentar dois relatórios sombra (elaborados pela sociedade civil) que denunciam os ataques ao aborto legal e a gravidez forçada na infância ao longo dos últimos 12 anos. Como resultado, o governo foi cobrado pelo órgão a legalizar e descriminalizar o aborto no país. Apesar desse posicionamento importante da ONU, os casos recentes do fechamento do serviço de aborto legal do Hospital Vila Nova Cachoeirinha, em SP, além da falta de acesso de meninas grávidas ao aborto legal, que resultou em 23 mil meninas mães no Brasil só em 2023, mostram que não basta alterar a lei de aborto. Queremos a descriminalização e a legalização, mas é preciso que o governo brasileiro tome medidas urgentes e imediatas para frear os ataques e garantir, na prática, o acesso ao serviço de saúde pra quem precisa abortar legalmente, enquanto não avançamos ainda mais nos nossos direitos.
Quando vemos o noticiário, pode até parecer que os grupos “pró-morte” estão em vantagem mas, apesar dos incessantes ataques, isso não é verdade. Firmes na resistência, estamos ampliando nosso espaço na sociedade brasileira e nas instituições! E precisamos de mais gente ao nosso lado, indo para as ruas, divulgando informação verdadeira e ajudando a barrar ataques como o que acontece hoje no Congresso. A maré verde já está no Brasil e precisa de mais e mais gente!
O que mais tem rolado?
No Brasil
RS sob água: a tragédia no Rio Grande do Sul tem comovido todo o país e evidenciado a relação entre justiça climática e justiça reprodutiva. Frente aos casos de abuso de meninas e mulheres em abrigos e à dificuldade de acesso a direitos básicos, fica evidente que é preciso não só ter preparação para os eventos climáticos extremos, mas também pensar na proteção das pessoas em situação de vulnerabilidade. Entenda mais na carta da Rede Nacional Feminista de Saúde Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos. Importante saber: os serviços de aborto legal seguem funcionando no estado!
Cafezinho com a Ministra: após falas problemáticas da Ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, em entrevista à Folha de SP em março, organizações articuladas no movimento pelo direito ao aborto lhe enviaram uma carta ressaltando a urgência desse debate no Brasil, assim como a importância do tema para a democracia. A Ministra respondeu convocando-nos para uma audiência, que aconteceu no dia 15 de maio. É uma porta importante que se abre para um diálogo necessário.
Um bom posicionamento: e já que falamos em entrevistas, vale lembrar que o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, falou ao jornal O Globo que é a favor da descriminalização e que “prender a mulher não serve para nada”. Seguimos esperando que ele retome logo a votação da ADPF 442.
Só 8 abortos legais por ano: na cidade de São Paulo, entre 2019 e 2022, só foram feitos 8 abortos legais por ano em crianças entre 10 e 14 anos. Já a média de partos de crianças da mesma faixa etária foi de 371 por ano. Lembrando que cada uma dessas crianças, que tiveram a infância atravessada pela maternidade, tinha direito ao aborto legal. Esses dados são do Mapa de Justiça Reprodutiva de São Paulo, do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, que tem muitas outras informações importantes sobre o acesso aos direitos reprodutivos na cidade.
Mundo afora
França: no início de março, o país deu um passo histórico, ao incluir a liberdade de realizar o aborto no texto da sua Constituição. Um movimento político importante, porque protege a escolha de quem decide abortar mesmo que aconteçam mudanças políticas no país. Na época, muito se falou sobre ser o primeiro país do mundo a incluir o aborto na constituição, mas é bom saber que, na verdade, foi o segundo: na Iugoslávia, isso aconteceu em 1974. Você sabia disso?
Reino Unido: o aborto é permitido até 24 semanas de gestação no Reino Unido, mas o número de prisões de mulheres por abortos ilegais tem crescido. Por causa disso, o parlamento começou a discutir a possibilidade de alterar a lei e há propostas em dois sentidos. Uma delas quer tirar da lei qualquer tipo de punição, já a outra propõe redução do limite para 22 semanas.
Argentina: o início do governo conservador de Milei, na Argentina, tem afetado o acesso ao aborto. O Ministério da Saúde do país paralisou as licitações afetando a compra de insumos para o procedimento e, em algumas províncias, eles já estão em falta. E isso tem afetado inclusive as brasileiras que recorrem ao país vizinho para realizar o aborto legalmente.
EUA: depois da decisão Dobbs da Suprema Corte no ano passado, revogando a famosa decisão Roe vs Wade que garantia o direito ao aborto no País, diversos estados têm aprovado legislações que dificultam e até proibem o aborto. O parlamento da Louisiana, por exemplo, aprovou uma lei que classifica os medicamentos usados para o aborto (Misoprostol e Mifepristone), como substâncias controladas - regulação semelhante ao que temos no Brasil desde 1998. E em ano de eleição presidencial, Donald Trump tem usado a pauta como uma das centrais de sua campanha. A instrumentalização da pauta do aborto para fins eleitoreiros soa familiar por aí?
Cultura aborteira
Aborto com humor. É comum ouvir por aí que aborto é um tema pesado, difícil, sério demais. Mas precisa mesmo ser? Tem gente que tem feito a escolha de usar o humor como forma de abordar o assunto, seja para retratar experiências que não são focadas no trauma, seja para evidenciar a hipocrisia presente na proibição do aborto. Há filmes como Unpregnant, disponível no streaming Max (antigo HBO), uma comédia que acompanha a viagem de duas amigas para uma delas interromper a gestação. Ou Aprendendo com a Vovó, para aluguel no Amazon Prime, que conta a história de uma avó que acompanha a neta em uma viagem para abortar. Entre Risos e Lágrimas é outro filme que trata de aborto com humor, contando a história de uma comediante que engravida após uma transa bêbada e decide interromper a gestação.
Em Nova York, a comediante Alison Leiby foi premiada com um stand up sobre seu próprio aborto, chamado “Oh God, a show about abortion”. Por aqui, no Brasil, a campanha Nem Presa Nem Morta, em parceria com o Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, fez alguns esquetes sobre o atendimento médico em caso de aborto. Sabe de mais gente que trata do tema com humor? Conta pra gente!
Levante. Mais uma dica cultural, essa bem brasileira. Estreou este ano nos cinemas o filme Levante, da diretora Lillah Hallah, que trata do tema do aborto com bastante seriedade. Ele conta a saga de uma adolescente de 17 anos para conseguir fazer um aborto no Brasil e toda a violência sofrida por ela. O filme foi premiado na Semana da Crítica no Festival de Cannes, no Festival do Rio e no Mix Brasil, entre vários outros. Está disponível para aluguel no Vivo Play e na Claro.
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Expediente:
Comissão Editorial e edição – Paula Viana (Grupo Curumim); Laura Molinari (Campanha Nem Presa Nem Morta); Nara Menezes (Anis - Instituto de Bioética); Kelly Ribeiro (Portal Catarinas); Leina Peres (Rede Feminista de Saúde); Mariana Prandini Assis (Coletivo Margarida Alves); Karla Oldane (Cepia); Clara Wardi (Cfemea)
Coordenação Editorial - Angela Freitas (Campanha Nem Presa Nem Morta)
Redação - Helena Bertho
Arte - Isabella Alves